Mutretas e monaretas

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Location: Salvador, Bahia, Brazil

Thursday, May 28, 2020

Origami


A caixa era grande, como uma daquelas de sapato, era feita de papel couché. Nada estava colado ou pregado, eram apenas dobras e mais dobras de papel formando uma caixa. Origami finalmente tinha me impressionado.
Resolvi abrir a caixa, dentro dela havia outra menor e dentro dessa outra e outra e outra , cada vez menores e mais delicadas. No espaço entre elas fluíam tempo e espaço. As páginas das revistas de onde haviam sido tiradas marcavam, numa ordem obsessiva cada momento importante pra mim, cada cidade onde eu morei, cada filme, cada música , cada rota abandonada, cada fuga de mim.
O objetivo não era mais chagar na última caixa, era reler cada página e tentar encontrar nas lembranças o grande mosaico que apontaria exatamente onde foi que eu  me perdi tão completamente. Não existem mapas, nem bússola,nem GPS que localizem isso. O que não me impedirá jamais de procurar, com ainda mais afinco pela menor caixa possível.
Já não havia mais espaço, nem tempo, nem jeito. Só a busca pela página que resolveria tudo. Ela estava  formando dobrada a menor caixa de todas.Boca seca, olhos injetados, pulso aos estalos. Desdobrar aquela última caixinha, tão frágil, tão linda, tão leve, tão íntima, tão minha...

Sentei na varanda. A rua vazia , o dia nublado, a morte rondando as casas, medo embutido nas máscaras, óculos embaçados e vídeo pixelado. Sobram álcool, cigarros e playlists.

Salvei a caixinha, sempre fui do tipo que prefere guardar o doce pro final, ou quem sabe prefira sonhar com ele. Boca aberta e roncando alto.