Mutretas e monaretas

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Location: Salvador, Bahia, Brazil

Monday, May 11, 2009

Em fila...

Meio dia e meia.Hora de pegar a senha, "shut up and drive" do Deftones se propõe aos meus ouvidos.Todos os rostos que olho estão cansados.Menos as duas crianças vestidas em uniforme escolar,devem achar tudo aquilo divertido.Um playground de gente,onde se pode gritar,chutar e esbarrar.Mais dois pontinhos no volume o a estridência de suas vozes é reduzida a um chiado por entre os acordes.Melhor compra de minha vida mental esse Walkman.
O guichê abre junto com "beau mot plage" de Isolée,e a sincronia exata do minimal que ouço rivaliza com a corrida daquela gente entediada e réfem em direção da frente,seja essa frente de lado,pisando no meu pé ou aos empurrões.O importante é marcar de alguma forma a idéia de ser atendido mais rápido do que o próximo coitado que precisou usar dos serviços do sistema.Um momento antológico de cidadania e fraternidade,como a saída de um derby hípico.
Temos os idosos e as grávidas na liderança,seguidos dos faladores (maravilhosamente mudos para mim) e de seus acompanhantes caronistas de documentos.Amizades se reacendem,fofocas são contadas e falsas gentilezas são as moedas de troca de quem precisa se alocar dentro das folhas xerocadas.
"Ashes to ahes" de Bowie é a senha certa para que eu me sinta um "Major Tom",um astronauta sonoro preso nm planeta hostil habitado por seres incompreensíveis,que tem faces famintas e dentes pontiagudos.Minha sorte é que estes parecem se alimentar de tempo,porque é esse o tema recorrente de minhas leituras labiais.Nunca há tempo o suficiente nesse planeta,todos temos algo mais útil à fazer.Me confirma Chico e seu "Pedro pedreiro",mas o trem chega,tem de chegar.
É minha vez,digo boa tarde e a senhora atendente parece surpresa com meu contentamento e doçura.Sou atendido e deixo meus companheiros de cela com "In tha Hood" do Wu tang clan,gangsta rap,filas e caras de fome são relacionados em alguma forma de análise.Ou eu simplesmente já alucinei depois de três horas.O que será que sobrou do almoço?

Chuva

Estava ensopado.Podia ouvir claramente o tchop,tchop das meias na palmilha dos sapatos,por serem verdes, o som fazia imaginar que havia calçado sapos.Não evitou o sorriso.Fez uma prece silenciosa ao deus que manda você lembrar de pôr calças num dia nublado,agradecendo pelo préstimo de um raciocínio simples,mas que serviu o propósito de manter o celular intacto.Podia ligar para um táxi ou simplesmente receber uma ligação,se sentir moderno e conectado no meio de um urro primal de uma natureza que declarava "enxaguar' por sobre ele.
Sua mãos e queixo tremiam,a caminhada se transformara em marcha e os" filmes em que chove cântaros" eram o tema do jogo mental.Lembrou também do calor da cama de manhã, e do pão quentinho da padaria próxima.Qualquer fuga era válida e os trovões pareciam querer lhe tomar até o mais ínfimo silêncio reconfortante,sem falar no som das águas que escorram por todos os cantos das ruas,ou melhor canais, que os esgotos entupidos oferecem aos habitantes da antiga Princesinha do Sul.
Finalmente avistava o portão de entrada e calculou as remotas possibilidades de eletrocução ao tocar na campainha com o dedo molhado.Seria uma morte idiota e o deus que evita mortes idiotas ainda perecia estar do seu lado.Tocou mas não ouvia o zumbido,tudo mais parecia gritar.
Viu a luz da varanda se acender e ela sair curiosa,apertando os olhinhos para o portão.
Ele pigarreia e diz:
- Oi! Sou eu!
Ela se surpreende sorri e atesta o óbvio:
- Que chuva hein?
Ele não evita o sorriso e sente o peito aquecer...

Palco

O dia foi lento,quase sufocante. O calor de março ainda não se transformara em àgua,e a passagem de som marcou a certeza do mais estrondoso fracasso.Cruzei com a musa assim de lado,quase saindo de cena,sorriso amarelo e aceno sem jeito.Sem certezas, apesar de tanto ensaio.
Horas e horas viraram minuto e segundo,garganta seca.Medo e desejo.Como a primeira menina que disse "sim" ou a última que disse "não".É tudo normalíssimo,todos os outros parecem constantes e cientes do que fazer,mas as letras das minhas próprias canções dançam uma ciranda confusa que embaralha meu parco senso.Tomo um outro copo d´água,acendo um outro cigarro e me concentro na melhor parte do concerto;estar junto.Fazer parte de algo maior e melhor do que eu mesmo.
Troca de roupa,troca de persona.Agora o artista deve tomar o lugar dessa gelatina anódina de mim,ele tem de ter a confiança dos loucos e a cara de pau dos necessitados que nos abordam de mesa em mesa para vender sua tosca escultura de eraldite.Há algo a ser dito por ele,e finalmente uma platéia disposta a ouvir.
Subo por entre meus "pseudo fãs"tentando parecer sério e resignado como um revolucionário de arma na mão,me sinto um condenado, subindo no cadafalso.Roupa errada,a garganta seca e o calor me faz suar todas as esperanças...fico lívido à espera do carrasco.
As guitarras rugem para mim,o baixo comenta e a bateria dá o tranco,me sinto enforcado.Todo mundo some e sobram eu e a musa,ela está linda como sempre.Preciso dizer isso à ela,abro a boca e a canção começa,acho que finalmente tem algum artista para preencher minha parte do palco.