Mutretas e monaretas

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Location: Salvador, Bahia, Brazil

Tuesday, October 25, 2022

Testamento

 Lego a você as dívidas, as incertezas, o remorso, projetos inacabados, o vício nos cigarros, a insônia, amores quebrados, discos não gravados, solidão, depressão, enjôos inexplicados, mas não o medo. Não o desespero. 

Lego a você o amor dos que te amam, o futuro possível, a vontade de mudar, a família que te quer inteiro, a estrada , a jornada e o pulo libertador que só EU posso dar.

Nunca fui tão livre, nunca tão só. O  toque, a voz e a calma dela me guiaram. Seu exemplo de superação me inspira. Eu respiro, eu vivo, eu mereço ser feliz agora que sou pleno. 

Salvador chora lágrimas de chuva, que lavam as minhas. A vida segue seu curso em direção do amanhã.

Em breve a despedida final, a parte dela que resta se torna cinza, a parte que habita em mim se solidifica e ganha cores. A promessa da batalha vindoura, o fim dos embargos, a quebra dos paradigmas.

Agora o testamento se torna diário de bordo, o veleiro singra mares desconhecidos. Tenho SIM uma bússola. Já não há o porto seguro e quentinho que ela montou pra nós. Mas também já não tenho amarras que me prendam. Que venham as tempestades! Já faz tempo que sinto falta dos desafios, das ambições e planos. De que vale viver sem sonhar e lutar por esses sonhos?

A partida não vem cedo, nem tarde demais, ela vem apenas. 

Sinto muito.

Me perdoe.

Te amo.

Sou grato.


Saturday, July 24, 2021

Silêncio e Música

 As noites insones, que passam por mim

Molhadas e frias com gosto nenhum

São tolas memórias, cigarros e afins


São sinais de tempos perdidos

Esperando a musa que nunca virá

Em meio ao silêncio gritando aturdido


Já passam das duas em algum lugar

Já passou da hora, já passou a rua, vai passando a lua, e eu ainda luto, e eu ainda quero ver você entrar. 

Dando a mesma desculpa, 

meu amar é insone como o silêncio e música.

Meia noite de Iemanjá

 Cair da meia noite, meu pincel à se assustar.

Não estava minha prole, não havia ninguém lá

Minhas mãos se projetando numa escura cor

Onde o Sol já não tocava, onde o mar perdia a cor

Foi dali que projetei numa tiara de nobreza, 

Ó Rainha, mãe do mar, me proteja da tristeza

E assim que manifesta, já me trouxe suas flores

De roxo ao amarelo carregou as minhas dores

Foi então que me dei conta de que nunca estou sozinho

Iemanjá de meia noite, tão profunda e tão divina

D.R.

 Você acha que me conhece? 

Que entende de mim?

E ainda que me dê de todo

Mesmo passando um dia e outro


Não tá valendo não

Gastou essa paixão

Eu me perdi de novo

Chego a pedir socorro...


Eu sei que te conheço

Porque te dei apreço

Te abracei inteiro

Guardei até o momento


Fala direito comigo

Me passa mais um castigo

Culpado sou eu por tudo

Veste de novo o luto...


Que esse amor morreu...

Você desligou , cansou

Eu fui atrás das outra 

Comi umas água louca

 Te vejo amanhã.

Preciso

 É preciso curar a ferida

É preciso pagar o preço

É preciso cuidar da saúde

É preciso fazer a vida vomitar dinheiro

É preciso olhar os dois lados antes de se arriscar 

É preciso entender pra saber

É preciso deixar a morte chegar, a esperança morrer e o dia nascer. 

É preciso deixar, aceitar e andar. 

É preciso.

Bem ali

 Ponha-se para fora dos meus olhos

Leve consigo o meu fracasso

Jure de pé junto que não volta

Bata atrás de você aquela porta

Pois atrás dela é onde mora o meu amar.


Eu já me liberei daquela culpa

Quebrei os velhos laços de ternura

Morri de cegueira e de costume

Não negue o meu enterro pra ninguém.


Tudo que sobrou foram mentiras

As minhas, as suas, as não ditas

Premeditadamente acidental

Rachar minhas certezas tão distintas

Lembrar que sou apenas passageiro

Num barco que insiste em afundar.

When i feel good, you don't feel good

 When i feel good, you don't feel good.



A falta que você me faz é o favor que você me fez

É o gosto de fim de mês,notado o que já não tem

A falha que você me traz transita entre o que se talvez

Traduz o sentir assim, se agarra no que me tornei.


Mas se de tudo falta o muito, 

Que adianta espernear,

As velas já vão longe 

E eu fincado à beira mar


Se de longe é tudo tão pequeno...

Quem é que vai se importar...?

Põe um outro mais ou menos

Toca aquela preu cantar


De resto eu já me curei, coragem de envenenar

Encontro quinze pras três, se arruma e não vai chegar

Friday, July 10, 2020

Um dia

As casa pareciam ainda mais bonitas naquele início de tarde, segurava sua mão enquanto andávamos sem pressa pelo bairro, eu mantinha os meus olhos naquelas varandas e jardins e de soslaio percebia o vento balançando seu vestido, seus cabelos e sentia a calma que só se tem ao redor do amor.
Chovera na madrugada e tudo parecia renovado, as folhas , flores e tudo mais parecia cantar, ou era eu? Ela para e me olha sorrindo, pergunta o que eu cantava e eu não me lembro, puxo seu corpo para junto do meu e invento um verso romântico, o beijo vem doce e quente como que para combinar.

Chegamos no café, não sentamos de frente, mas de lado pra que eu possa abraçá-la sempre. Sinto uma ânsia de tirar foto, de guardar aquele momento, desisto. Nenhuma foto poderia chegar perto de captar o que eu via ali. Escolhi café gelado porque sabia que ela iria pedir pra provar. O jeito dela de pedir as coisas tornava tudo mais mágico, dizer não era impossível e ceder era bom demais.
Não consigo lembrar da conversa, das outras pessoas ao redor, nem das horas, tudo que havia ali era ela e seu vestido.

Já passeávamos de volta, os olhos dela tinham o tom de "coisas a fazer". Sentia seu passo apertar e ela já não apertava minha mão tão fortemente, tentei falar de algo leve e tirá-la de perto do fim do passeio. Ela me deu um olhar de reprovação enquanto alisava a  maldita tela do celular. Os últimos raios de sol ficavam rosa no horizonte, carros passava de faróis acesos assim como os postes. Cada passo era mais pesado pra mim, ela seguia impávida e acenava para a esquina do outro lado da rua.  Foi ficando difícil de ver onde ela tinha ido e onde eu estava.

Primeiros pingos de chuva vindoura, tenho de arranjar onde dormir.

Thursday, July 09, 2020

O Ciúme

Aderaldo era rico, sua carteira de investimentos era vasta e diversificada e seu hábito de colecionar relógios caros era a única indulgência a que se permitia. Então veio Débora e com ela o sonho. Era linda, alegre, tinha gostos muito refinados e trazia leveza a todas as coisas na vida dele. Aderaldo entendia que sua maior riqueza era tempo, já não estava preso a nenhuma rotina de trabalho, o dinheiro era seu escravo e lhe garantia o prazer de não fazer, de não ir e de não depender de nada. O tempo era seu e de Débora.
Começou na mesa do restaurante, entre o primeiro e segundo prato, depois de uma taça e meia de um bom bordeux. Aquele cara veio na mesa falar com ela, tinha um sorriso amplo, dentes perfeitos e um olhar superior. No pulso esquerdo um rolex prateado que Aderaldo vira num catálogo exclusivo semana passada. Débora levantou, como e sua presença ali fosse um detalhe inconveniente. Se abraçaram e sorriram, olhos faíscando de alegria, vozes emocionadas e continuaram de mãos dadas enquanto Aderaldo sentia o peito arder e fingia olhar algo no celular. Ouviu ela dizer seu nome, uma duas, três vezes e continuou surdo e focado na tela de previsão do tempo. Ia vender todos os seus Rolex. Todos!

Aquele cara puxou a cadeira para que ela sentasse e os olhos dele pousaram um segundo sobre Aderaldo, ouviu a voz do cara perguntar sobre o seu relógio (um Bulgari Magsonic). Falou rápido que era um presente e que nem sabia nada sobre o tema, olhando diretamente para Débora e vendo a alegria de outrora dissolver. Ela abaixou a cabeça e trouxe a taça mais perto. Aquele cara disse "ciao" e saiu dali arrastando o ego de Aderaldo pelo chão. Débora começou a dizer "Ele é um..."quando o som da taça quebrada irrompeu pela mesa, Aderaldo ergueu automaticamente as mãos e o garçon se apressou em levar outra taça e servir enquanto ajudantes limpavam o chão. Não houve mais nenhuma palavra dita naquele jantar. 

Sunday, July 05, 2020

A esquina com Sol

Chove forte aqui, gotas grossas que caem rugindo e embaladas pelo vento cortam a visão e banham meu corpo nu. Não há guarda chuva nem marquise, não existe casa ou fuga ou mesmo a vaga idéia do fim . Lábios tremendo e ao redor essa escuridão tão presente que tira a esperança de dentro,que corrói o tempo e me empurra pros braços da solidão.
Houveram curas, lágrimas e verdades difíceis. Nú na chuva se aprende muito sobre si mesmo, sobre os limites da angústia, sobre resiliência e resignação. As mentiras, auto ficções e falsas certezas também. Água pura e fria que retesa os músculos e clareia o pensamento. Uma vez adaptado, vou tropeçando, caindo e levantando. Não importa pra onde, se existe chegada ou quando. O que importa é me mover, lutar, realizar e resolver. O frio pode esperar, a escuridão pode esperar. Tenho mais o que fazer.
Procurei tanto pela luz que esqueci como era ela. Me esqueci do calor, do arder e dos olhos abertos podendo ver em frente. O horizonte se tornara tão sonhado que dissolvia em cores frias. Sonhar acordado só vale a pena se houver chance, senão é uma droga como outra qualquer. Era hora de empurrar, de fazer mais força, de ignorar mais ainda. Chove torrencialmente aqui e parece que a tempestade se aproxima.

Trovoa muito aqui. Mas os raios que cortam são tão brilhantes que cortam o céu e minha pele grossa. Eles queimam, assustam e me prendem ao mesmo tempo no seu pulsar. Se torna uma troca, eu terei a claridade fugaz e com ela sua imensa dor. Aceito de bom grado e sigo de braços abertos, esperando pelo fulgor. Cada queimadura é uma ferida que escondi, é o que faltou falar, assumir e entender. Crueldade seria não queimar, seria a perda da possibilidade de enxergar de novo,mesmo que por pouco. Saber onde ir enfim.

Tempestade corre aqui, se quebram as parcas casas, voam os copos e as panelas. Tudo gira de modo a me inebriar, tudo prende e tudo quebra. O caminho que estava bem ali se mostrou abismo, a montanha tão duramente conquistada ruiu, agora me vejo em pânico, gritando alto pro vazio. O vazio grita de volta em mim.  Até que começo a ver. Longe, uma rua estreita, bem cuidada, arborizada e com ares infantis. Tão linda, tão imensamente banhada de Sol, tão quente.
Vou me banhando naquele calor ainda que não possa tocá-lo , ainda que seja breve, ainda que doa muito. Olhando mais de perto é uma esquina, dobrando tranquila  pra fora de tudo,vibrando no Sol e gerando um calor. Chove muito aqui, me vejo nu e sorrindo.

Thursday, June 18, 2020

Coleiras


Fazia sol na praça, poucas nuvens no céu, crianças correndo e gritando, pipoca, algodão doce e aquela quentura gostosa , abrandada pelas folhas das amendoeiras que moravam ali.
Isolda detestava e amava tudo aquilo, desprezava os guris e suas brincadeiras idiotas, e amava o efeito que causava neles. Os olhos assustados, o modo como abriam espaço, a sensação de poder mudar o aspecto da praça inteira com sua simples presença. Dela e de Tião.
Dalila era uma linda, alegre, brincalhona e boba. Só causava medo pelo tamanho, era uma Fila brasileira imensa, a alegria da fazenda São Ciro. Depois do assalto, veio o medo, veio Conde, o Mastim Napolitano. Grande, severo e bem treinado. Não fez questão de ser mimado ou brincar, seu trabalho era outro. Dalia tentou mas não conseguiu nada além da "cruza". Conde era mesmo europeu.
A ninhada era apenas de  três filhotes, duas fêmeas cinzentas ( Loli e Poly) e um macho de pêlo negro e cara enrugada , Isolda tinha acabado de debutar seus quinze  anos e vovõ  achou que era melhor dar um cachorro que era de graça do que um celular. Isolda olhou para os cães com um desdém completo. Eram fofos, mas preferia tê-los como brinquedos da fazenda, do que se encarregar dos cuidados, xixis e cocôs. Sua mãe ia encher pra que fosse ela e não Neide que fosse responsável pelo bicho. Ponderava a desculpa ideal pra se manter nas graças de vôvis e conseguir ao menos metade das  parcelas do Iphone que dinda cobriria o resto, quando percebeu que Tião rosnava para as irmãs.Pegou ele no colo e foi amor derramando no chão.

Isolda treinou Tião com afinco naqueles três anos  na disciplina cruel que só um adolescente é capaz. Carinhos imensos e punições geladas. Era como se Tião tivesse de agradar duas donas diferentes que cheiravam do mesmo jeito. Tião se tornou assustador, feroz e tenso. O corpanzil parecia ainda maior com a pelagem e os dentes brancos que brotavam da boca negra eram saídos de um conto de lobisomem. Nem a mãe, nem o pai e nem Neide eram capazes de cuidar de Tião, mas era Isolda chegar e Tião se derretia em pulos e rosnados, Isolda permitia exatamente vinte segundos de afagos. No olhar, num simples olhar, Tião ficava teso. Estático e firme, sentado nas patas traseiras, olhando em súplica. Babando e esperando.

Tião ouvia os passos dela pela sala, já havia compreendido todo o ritual, podia sentir o cheiro dela mesmo do quintal, ela tomaria banho, e sairia, com a coleira na mão. Era uma peça de couro firme, grossa e com três fechos de metal prateado e polido. Ligado a ela uma corrente, fina mas muito sólida. Não importava o quanto fosse difícil, tinha de se conter e esperar que ela prendesse a coleira no seu pescoço. Toda aquela ânsia de latir, morder e correr precisava ficar presa até a praça.

Isolda segura Tião com pulso firme, sabe que ele jamais se afastaria dela pra morder ninguém. Mas eles não sabem, é uma delícia. Tião rosna e ruge, suas ameaças estrondam pela praça, e todos os olhos estão em Isolda. Vestido florido, cabelo de presilha  e óculos de menina estudiosa. Um contraste adorável. Tão adorável quanto a ausência da calcinha. Isolda tinha mesmo algum poder.

Friday, June 12, 2020

Futuro do Pretérito

Primeiro ia tirar os sapatos. Perderia o medo dos pés sujos e entraria mata a dentro, se despojando das roupas até estar nu. Enfrentado o terror da escuridão, o frio, os mosquitos,cobras e o que mais habitara sua  insegurança infantil. Seguraria na Jurema, na fé antiga, e ia aprender a se perder de vez.

Viria tarde pra casa, cansado e com fome, ansioso pelo banho e fazendo as contas pra fechar o mês e poder ir tomar umas caipirinhas na praia, dormir até tarde e lembrar qual a valia daquilo tudo. Entraria no apartamento com um sorriso, contaria uma história e colocaria as mãos nas costas dela, sentindo o cheiro do sono vindouro.

Acenderia a luz da sala. Sentaria na poltrona carrancudo. Três da manhã e ele não atendeu o celular uma única vez. Já teriam conversado longamente sobre ele. Assumiria a responsabilidade dessa vez. Não queria gritos, queria encarar o idiota olho no olho e saber se estava bem e se tinha comido, colocaria a sobra de almoço no prato e dentro do microondas.

Compraria seus próprios remédios, sangue derramando no chão seria muito assustador pra ela. A cena teria  de ser de sono. As despedidas e pedidos de desculpas teriam de estar escritos. Toda a operação iria se realizar de forma simples. O momento de ir tão longe quanto necessário pra escapar de si. Imaginaria o reencontro com ele e ia ter certeza que iam faltar dados e o livro do mestre, mas sempre valia mais ter um bom cenário. Teria vários planejados.

Sairia na rua sem avisar. Desligaria o celular. Andaria por horas sem rumo.